Em 2006, recebeu um piano de presente. Em poucas semanas transformou a intimidade que ganhou com o instrumento, aquele instrumento preciso, em "Crepúsculo", magniífico álbum de melancolias nocturnas imiscuindose entre o ruído nas ruas - havia pessoas e o som de pessoas a entrar pelas lentas e tocantes melodias de Tiago Sousa e o seu piano.
"The Western Lands", que nos chega dois anos depois e que podem ouvir ou encomendar em www.restingbell.net, não vive no mesmo abandono descomprometido. O título aponta para o livro de William Burroughs publicadoem 1987, considerado uma das suas mais importantes obras tardias. As "western lands" de Burroughs eram as margens ocidentais do Nilo, a terra dos mortos na mitologia do antigo Egipto. Tiago Sousa que acrescenta ao piano a guitarra, utiliza esse imagináiro como ponto de partida - tal como acontecia, de resto, com a narrativa fragmentada de Burroughs.
Nestes sete instrumentais, nestes sete improvisos cuidadosa e gentilmente orquestrados, fundem-se harmonias e dissonâncias, descombre-se a sensibilidade acústica e a divagação eléctrica como faces da mesma moeda. Melhor que isso, porém, a forma como tais dinâmicas servem uma evidente ideia de viagem, vogar misterioso que nunca desvenda totalmente os pontos de paragem.
A início, os ruídos em fundo suscitam hipnose magrebina e levam-nos a imaginar o zumbido das rhaitas dos Master Musicians of Jajouka. A início, quando aos ruídos se junta a guitarra, quando à guitarra se junta o lamento do piano já galgámos o Mediterrâneo - continuamos em cidade portuária mas na Europa.
Tudo em "The Western Lands" se faz destes movimentos de fuga e regresso. O trabalho sobre ruído eléctrico, nuvem ameaçadora por trás do qual irrompe um dedilhado de bucolismo folk. Guitarras eléctricas e acústicas reunindo-se em turbilhões sibilantes e um piano a escapar-se do caos para inventar canções de marinheiros que os marinheiros desconhecem.
No fim, o completar do círculo. Regressamos às "Western Lands". Transformados pela viagem, não ouvimos naquele zumbido nem rhaitas nem o Magrebe. Tiago Sousa tomou-lhes o lugar.
Mário Lopes
30 de Maio de 2008