Antes de mais começava por perguntar-te como acontece este disco, Crepúsculo…
Acidentalmente, a minha avó ofereceu-me um piano este verão. E ter um piano no quarto acabou por se revelar um estímulo imenso. Tinha tido aulas de piano quando era novo e foi só rebuscar alguns ensinamentos. As coisas começaram a sair naturalmente através de improvisos em que eu próprio estava a descobrir o que conseguía fazer com este instrumento. Comecei a ordenar as ideias e passado uns dias comecei a grava-las.
Existe mais alguma história curiosa acerca deste disco além da oferta da tua avó?
Gostava que sim… mas não. [risos] Posso contar-te a surpreendente forma como me foi oferecido o piano se quiseres… É a única história curiosa que existe.
Se calhar era curioso...
Foi numa quarta feira de manhã. Eu estava a dormir como é meu costume fazê-lo por horas a fio, é das coisas que mais gosto de fazer na vida. E tocam-me à porta. A minha mãe tinha-me avisado para estar atento à campainha que iam lá entregar uma coisa. E quando abro a porta ainda a praguejar contra quem me tirou do sono, dizem-me: "é o sétimo esquerdo? Vínhamos entregar um piano". Caiu-me tudo nesse instante e o homem deve ter percebido a minha estranheza e perguntou se a minha avó não dava aulas de piano, que ela me queria oferecer um piano. Na altura foi um peso enorme nos ombros. Porque percebi a importância da oferta mas com o tempo essa pressão dissipou-se e tornou-se em algo natural. Mais uma ferramenta para poder expressar as minhas ideias.
Mas parece haver algo mais na concepção deste disco além do piano, ou estou errado?
Estás certo. Não tinha muita confiança na minha capacidade para fazer um disco unicamente de piano. Não acho que as músicas valham tanto por si só. São construções harmónicas simples que devem muito pouco à capacidade técnica a que um piano obriga. Então decidi fazer uso de alguns truques como gravações de campo e manipulação de som. Existe quase no fim uma parte de ruído essencialmente que foi criada com a minha pedaleira. E umas coisas gravadas com um teclado manhoso manipulado por essa mesma pedaleira. Foi um pouco a forma que encontrei de dar algum sentido às composições ao piano e acho que acabaram por funcionar bastante bem.
Como foi trabalhar a solo quando comparado com o trabalho que fazes nos Goodbye Toulouse e nos Jesus, the Misunderstood?
Completamente diferente. Para os Jesus contribuo muito pouco a nível de composições, esse trabalho cabe ao Luís. Nos Toulouse actuais o nosso modo operandis tem sido, eu componho os temas em casa pequenas linhas de guitarra, algumas coisas mais concretas e mostro-lhes. A partir daí estou aberto a todas as ideias, muitas vezes as ideias que levo de casa acabam por se revelar menos interessantes que as que eles me dão. Neste trabalho a solo não tive de prestar contas a ninguém. Aliás isto é tudo feito com uma dose enorme de irresponsabilidade e descomprometimento. Não penso muito no que faço e no porquê de o fazer. As coisas surgem naturalmente, eu vou assentando ideias, gravando, e mostro às pessoas sem esperar nada. A grande surpresa tem sido reparar que regra geral as pessoas parecem apreciar aquilo que tenho feito.
Entretanto já apresentaste o disco ao vivo se não estou em erro. Como tem corrido? Como abordas a música de Crepúsculo ao vivo?
Fiz duas actuações. A primeira para lançar o disco aqui no Barreiro, essa foi horrível. Não dá para levar um piano às costas e tive de tocar com um teclado com o qual nunca tinha tocado na vida. Conclusão… isso a acrescentar a insegurança de tocar pela primeira vez aquelas músicas deram num certo desastre. Felizmente guardei as duas musicas que sabia melhor para o fim e a coisa safou-se. Mas foi um concerto muito curto e ainda muito a patinar. O segundo foi muito mais concreto e com muito mais certeza de como abordar aqueles temas num instrumento que embora igual no seu principio difere bastante de um piano dito acústico. Tentei aproveitar essa característica a meu favor e aproveitar para por alguns delays e fazer loops que é coisa que faço no disco com pós produção mas que ao vivo seria impossível com um piano dito normal. Quero ver se no futuro consigo fazer mais alguns concertos. Mas ainda não há nada de muito concreto. Gostava de fazer um concerto com um piano mesmo.
Mudando de assunto, este disco foi o primeiro com selo exclusivo Merzbau a ser editado em formado físico. Porquê? É uma opção a repetir no futuro?
Primeira edição física. O porquê de ser a primeira foi porque ficou pronta antes do disco de Jesus, the Misunderstood. O porquê do formato físico, eu nunca vi a questão da netlabel como uma definição absoluta daquilo que quero fazer com a Merzbau. Acredito no formato físico. Apenas acho que deve ser repensado e direccionado para o público apropriado. Vejo ambos os formatos a coexistir o formato netlabel que permite um maior descomprometimento e uma maior rapidez quer de acesso quer de produção. E o formato físico para fazer coisas mais pensadas, cuidadas e acarinhadas. Não lancei o meu disco em formato netlabel porque quis também começar a perceber como se poderia processar a coisa. Como era o meu trabalho não tinha que prestar contas a terceiros e deu para começar a olear a máquina e a perceber o que é que tem de estar envolvido. Pois começamos a falar de dinheiro que embora seja pouco convém ser bastante bem controlado e com as regras bem definidas...
Voltando ainda ao teu trabalho com os Goodbye Toulouse e com os Jesus, the Misunderstood. Em que pé estão os dois projectos neste momento?
Bem, Jesus está na rua. Agora estamos a trabalhar em conseguir mais datas para mostrar a música ao vivo. Toulouse estamos em modo trabalho intenso para o concerto de sábado no out.fest, algo assustados ainda com a ideia, falando mais por mim é claro. Já temos alguns temas gravados para o disco, outros ainda em processo de serem acabados. Espero que consigamos ter isto na rua ai por Fevereiro/Março. Depende do tempo que tivermos disponível para acabar. Mas estamos os três muito motivados com o que estamos a fazer e com grande vontade de o mostrar às pessoas.
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© Vera Marmelo |
E no que diz respeito ao teu trabalho como Tiago Sousa, qual é o futuro. Tens trabalhado em novo material, já pensas numa nova edição?
Tenho uns temas compostos que já toquei no concerto em Coimbra. Conto gravá-los em breve. Está pensada uma edição de um EP conjunto de Tiago Sousa com SRX, uma artista francesa que conheci nos meandros do myspace e com quem criei empatia imediata. Mas será algo mais virado para uma estética mais abstracta, mais baseado no improviso, num ambiente mais ébrio. E pretendo continuar a gravar enquanto tenha material. Com o mesmo descomprometimento com que gravei o
Crepúsculo. É muito refrescante sabes? Podermos fazer música sem pensar muito. Um dos meus grandes objectivos com este início de trabalho em nome próprio é o de trabalhar em acontecimentos esporádicos com outros artistas. Quer seja em concertos como em gravações. Acho esse lado muito entusiasmante.
É um lado que vais explorar então. Apenas em disco ou pensas convidar outros músicos para os teus concertos?
Sim, quero muito tocar ao vivo com outras pessoas. Músicas minhas, músicas deles, improvisos, temas compostos em conjunto, artistas de outras áreas, estou aberto a tudo. Espero poder ter novidades sobre isso em breve... Tenho andado a picar algumas pessoas…
Em termos estéticos, e ainda voltando a Crepúsculo, este disco lembra-me de certa forma o dramatismo de uns A Silver Mt. Zion - faz sentido? - ou de alguns compositores minimalistas. Quais são as influencias directas que absorves neste disco?
Faz algum sentido. Não sei bem em que me inspirei, quer dizer se parar para pensar sou capaz de descobrir alguns discos seminais na minha vida que poderão ter inspirado a linguagem que trabalhei no
Crepúsculo. Talvez o
Maps of Tacits da Shannon Wright, o
Sea and Bells dos Rachels, o
Run to Ruin da Nina Nastasia, Erik Satie o disco de Yann Tiersen com Shannon Wright e os inevitáveis Godspeed You Black Emperor e o
Born into Trouble as the Sparks Fly Upward de A The Silver Mt. Zion Memorial Orchestra & Tra-La-La Band. Assim de repente lembro-me destes nomes. Ah, tenho ouvido muito a Half Asleep mas isso foi uma descoberta à posteriori e identifico-me muito com a linguagem dela.
Que tipo de recepção ou reacção tens tido por parte da imprensa em relação ao teu disco?
Bem, falou-se no UM, falou-se no Rascunho, sei que já passou na Química FM no programa Boa Noite e um Queijo e na RUC no Santos da Casa, um pouco por ter lá ido tocar é claro. No geral têm sido sempre opiniões muito elogiosas que me deixam algo incrédulo mas muito feliz. Principalmente porque fiz isto sem aspirações nenhumas.
E agora vês tudo isto de uma forma mais séria?
Não, nem quero. Tenho as minhas bandas e isto é um escape. Como já disse acima, um laboratório para poder experimentar trabalhar com gente nova com quem não iria ter possibilidade de me juntar se não fosse assim. Vejo que hoje em dia os artistas estão muito abertos a cruzarem-se de forma ocasional e acidental e acho isso muito entusiasmante.
Só para terminar, porquê Crepúsculo?
Nem sei. Gosto do que me transmite a palavra, gosto da ideia de ocaso, ponto de transição, gosto da luz do Crepúsculo, gosto de quando as noites de borga se prolongam até de manhã e de repente já é dia outra vez e cruzamo-nos com as pessoas que vão trabalhar. Gosto dessa ideia de transição. Se calhar oiço isso nesse disco. Essa tranquilidade que o crepúsculo nos transmite. Mas não foi algo muito premeditado.